terreiro do cabo 1974
 
Ver o outro sentido além do aparente
Se o Todo, a Unidade, repercute e reflecte no Tudo, a Multiplicidade, e vice-versa, também aqui no Sado vizinho do Tejo a geografia sagrada europeia parece sintetizar-se nos contornos do semblante esquissado pela Serra da Arrábida, relembrando a todos que Portugal afinal é o “rosto” da “cabeça” do continente inteiro.
A Europa, herdeira da Cultura Helénica sua progenitora e matriz ou pai e mãe, vem a revelar-se corpo hermafrodita (macho-fêmea) pelas suas duas facetas ou vertentes Jónica e Dórica, ou seja, Joseph, “beleza, perfeição” (Justus et Perfectus), e Devek, “união” (Um por Todos e Todos por Um), podendo ainda interpretar-se as iniciais D. J. como Dever e Justiça atributos do Deus Júpiter, que através do signo de Peixes rege Portugal e pelo do Sagitário à Península Ibérica. Tanto assim é que as diversas expressões culturais advindas da Grécia, individual e colectivamente, imortalizaram os seus nomes através da música, da arquitectura e da filosofia. Respigando nesta última, destacamos o pensamento mais teosófico que filosófico de Plutarco (in De Ísis e Osíris) ao afirmar a relação entre os Astros e o Corpo Físico, Psicomental e Espiritual do Homem: “A Terra deu o Corpo (Soma), a Lua a Alma (Psike), e o Sol o Espírito (Nous). Por isso, todo o homem justo e consciente destas coisas é, ao mesmo tempo, durante a sua vida física um habitante da Terra, da Lua e do Sol”. O que por sua vez também vale na sua função parietal, como o Pai (Sol), a Mãe (Lua) e o Filho (Terra).
Assim, compreende-se como na Antiguidade e na Actualidade as diversas religiões e movimentos filosóficos-espirituais sempre estabeleceram uma íntima relação entre esses dois astros “dançantes” do céu, Sol e Lua, medindo, observando, cogitando ou reflectindo e finalmente cultuando-os como Pai e Mãe da Vida e dos Seres em todas as partes do planeta. Desta maneira, o Céu plasmado na Terra torna todo o espaço uno e, pela concentração cultual predeterminada, sagrado. Os finisterrae peninsulares desde os alvores da civilização foram eleitos lugares sagrados como pontos finais do mundo conhecido e umbrais do mundo desconhecido, vulgo “mar dos mortos”, sobretudo os promontórios e cabos no extremo-ocidente peninsular, onde estabeleceram-se os mais famosos e uniformes cultos lunares e solares, consequentemente, lunissolares na sua função dupla tornada homogénea ou andrógina na vivência e consciencialização.
mapa 1561
O Mapa de Portugal Deitado (1561) de Fernando Álvaro Seco,
o mais antigo nacional cartografado indicando os Cabos Espichel e da Roca
É exactamente sob essa premissa que analisaremos esse culto dúplice mas homogéneo, começando na Serra de Sintra marcada pela Lua e o seu Cabo da Roca, e terminando na Serra da Arrábida assinalada pelo Sol, mais propriamente em Sesimbra, no Cabo Espichel, no Santuário da Nossa Senhora de Mua, como pontos ou pólos opostos mas complementares de interesse à religiosidade e cultura ancestrais humana, com isso até hoje sendo alfobres de tradições, costumes e, sobretudo, mistérios que sempre atraíram os povos ao “Fim do Mundo” (Finisterrae) e levaram os mais ilustres dos mesmos a dispor a cabeça da Europa como lugar de abastança terrena, felicidade dos corpos e das almas e de presença divina. Sigamos viagem!
O SOL E A LUA – DE SINTRA À ARRÁBIDA
A humidade do microclima que alimenta a flora envolvente de Sintra e a transforma numa “floresta encantada”, acaba induzindo um abraço hermético à natureza interior do homem que caminha, peregrina pelos trilhos sintrianos volvido sobre si mesmo em solilóquio noético, divino, assim intuitivamente como pura inteligência espiritual encaminha-o, numa argótica natural e silenciosa, verdadeira Fala dos Pássaros, ao ventre fecundo da Mãe Primordial, a Mãe-Terra (Mater-Rhea), logo, à sua condição pré-existencial, o Mundo Causal, e assim lavado, purificado pelas Águas do Pardes ou Paraíso Terreal, as akáshicas ou etéricas, renasce novamente para a vida dotado de uma nova e mais ampla luz da Consciência. É o Dwija, o “duas vezes nascido”, pelo Corpo e pela Iniciação ou Espírito: de simples “filho de Mulher” (Vida) fez-se também “Filho de Homem” (Consciência). A partitura projecta-se em todo o imóvel e móvel presentes nesta serra de foro espiritual por declarar as presenças e vivências dos povos com as suas culturas e tradições de tempos e épocas diversos que a habitaram e espiritualmente a tomaram, e assim a todas as sinergias particulares que a geografia sagrada desenha na tela paisagística de Sintra, tornando a simbiótica entre homem e serra um dinamismo constante e vivo, independente das vontades e credos de cada um. Portanto, considera-se Sintra como Serra Mãe da Espiritualidade Portuguesa e a própria Capital Espiritual da Europa toda como Áxis-Mundi da mesma, Centro Vital ou Chakra Planetário único no continente cujas energias marcam o biorritmo nacional e cujo fim supremo é levar à redenção e integração de todo o homem, tal como todo o homem deve respeitar e se possível integrar a noção de que “está pisando chão sagrado”, como disse o Eterno a Moisés no Monte Sinai, mas aqui a Montanha Sagrada dos Lusos. É neste sentido que consideramos as iniciais do nome S.I.N.T.R.A. como as de Serviço Intenso No Trabalho de Redenção da Alma.
Sintra sempre foi descrita como “Serra ou Monte da Lua”, como atesta o testemunho de Damião de Góis na sua Descrição da Cidade de Lisboa (Évora, 1554): “… sob a orientação e auspícios de Bartolomeu Dias, português de lei e grande conhecedor da arte náutica, descobriram a extremidade contígua àquela parte do continente [Etiópia] a qual se estende, em linha recta, até ao Monte da Lua…” (página 17). Nisso verificamos como Sintra era tomada como ponto de referência geográfico, não esquecendo o seu aspecto espiritual sobretudo de demanda, posto ter sido para a Etiópia que se orientou a empresa marítima para encontrar o famoso Preste João da Abissínia e das Índias ao qual o próprio Damião Góis dedicou duas obras: em 1532, a Legatio magni indorum imperatoris presbyteri Joannis ad Emmanuelem Lusitaniae regem (A Embaixada do Grande Imperador das Índias Presbítero João a Emmanuel Rei da Lusitânia), e em 1540 a Fides, religio, moresque Aethiopum sub imperium Preciosi Joannis (Fé, religião e costumes da Etiópia no Império do Precioso João), ambas dirigidas ao Papa Paulo III. No entanto, Damião de Góis não seria o primeiro, pois já no século VI a. C., segundo Schülten, o promontório do Cabo da Roca, ponto mais ocidental da Europa e terminação da aresta montanhosa de Sintra, chamava-se, no périplo marselhês utilizado pelo geógrafo Rufo Festo Avieno em sua Ora Marítima (“Orla Marítima”, obra escrita no século IV da era cristã), Promontório de Ofiúsa, esta última palavra significando “serpente”, portanto, “Promontório da Serpente”. Ptolomeu denomina-a “Serra da Lua” e ao seu extremo cabo-mar “Promontório da Lua”, “Cabo da Lua” ou Capum Lunarum.
Sendo a Serra de Sintra o Monte da Lua como “planeta” de natureza feminina, desde a mais longínqua noite dos tempos que ela está directamente relacionada ao culto da Deusa-Mãe, o que na geografia sagrada torna-a emblemática do Eterno Feminino, consequentemente, associada à fecundidade e fertilidade materna, facto comprovado, por exemplo, nos lúnulos, objectos arqueológicos do tipo iconológico em formato de chifre ou cornucópia com insculturas da Lua descobertos nesta serra, que retratam deuses(as) dos cultos lunares pré-históricos aqui celebrados, prova cabal da tradição recuar à mais alta antiguidade. Também sobre o culto lunar ou matriártico, tem-se nesta serra a presença de Eufêmia, santa cristã mas de origem moçárabe, parecendo andar associada à pessoa da primitiva Deusa-Mãe celtíbera Cynthia, em cuja capela no alto da serra está ao lado de Nossa Senhora do Ó (a mesma Deusa Primordial), esta que também tinha a sua imagem (hoje desaparecida) numa capela no bosque da Quinta da Trindade, mas nesta de Eufêmia até hoje presente como Boa Fêmea (Eu+Fêmea) ou Mulher representada nas suas boas águas, miraculosas ou santas brotando do seio da serra e que curam os enfermos de “corpos chagados”, purgando-os dos males do corpo e da alma. Onde hoje está a capela de Santa Eufêmia da Serra de Sintra houve outrora um templo de vestais consagradas à deusa Lua que também era rainha dos Infernos, Ínferos, Inferiores ou Interiores Lugares. Depois, para as bandas de São Saturnino de Sintra, por sobre o Cabo da Roca, os greco-romanos elevariam um outro templo, desta feita consagrado a Cronos ou Saturno e a Hécate, deuses do Mundo Subterrâneo.
2 – Lunúlos encontrados na serra de Sintra
Lúnulos encontrados na Serra de Sintra
Na tutela do carácter lunar que psiquicamente vaza-se na hodierna lunolatria, de natureza passiva e regressiva em termos evolucionais, não podemos discriminar o sentido ctónico ou subterrâneo definidor de vários pontos assinalados na Serra Sagrada onde se celebraram os primitivos Mistérios da Morte/Ressurreição que tiveram como símbolo emblemático a tradicional serpente, uma das razões para Avicena (Bukhara, Pérsia, 980 – Hamadan, Irão, 1037) designar o Cabo da Roca como Promontório de Ofiússa (“Serpente”) e a existência, na lenda de fundação de Lisboa, da deusa Ofiússa, representativa da Lua, contraindo consórcio amoroso com o argonauta Ulisses, representativo do Sol. A “serra oca”, como também é conhecida, estende-se subterraneamente à Serra de Montejunto, entrando o mar por dentro desta.
No próprio centro histórico da vila de Sintra muitos dos seus subterrâneos ainda se mantêm passíveis de visita, nomeadamente na cave do actual Café Paris onde uma galeria subterrânea leva ao Palácio Real vizinho e chega a subir até ao Castelo dos Mouros, passagens que foram dadas a conhecer pela primeira vez em 1834 na obra Cintra Pinturesca, do Visconde de Juromenha, e comprovadas e divulgadas ao público pelo espeleólogo Augusto Morgado em notícia publicada publicação no jornal Época, de 12 de Agosto de 1972. Os túneis e outras grandes galerias foram construídos, ao que se diz, pelos mouros e pelos templários há cerca de oito séculos, posto os monges-cavaleiros da Ordem do Templo terem estado acantonados no lugar das Murtas e sido os primeiros a reformar o primitivo alcácer árabe dando-lhe feição ocidental, românica originalmente (século XII), e depois gótica já pela mão da Ordem de Cristo (século XIV). Sustenta-se a lenda do misterioso desaparecimento dos mouros aquando da invasão e tomada de Sintra pelas forças cristãs, afirmando-se que eles fugiram subterraneamente por um túnel até Rio de Mouro. A verdade é que o Rio de Mouro (antes, Rio dos Mouros) existe, e o túnel ou gruta também, precisamente em Colaride, no limite Este do Cacém e que antanho pertencia à freguesia do Algueirão – Rio de Mouro, denominada como Gruta dos Mouros, Fojo dos Mouros e Algar dos Mouros. Ainda na vila de Sintra, tem-se o conjunto de galerias subterrâneas ocultadas nas traseiras do edifício oitocentista do Café da Avó, defronte para o palácio antigo paço real.
No cimo da serra, por debaixo do Castelo dos Mouros há uma imensa gruta natural que está vedada por uma porta de ferro, e por motivos que só a lenda explica a vox populi afirma que constitui uma das portas de entrada no Paraíso Terreal, a mítica Agharta, que em 1888 a viajante russa Helena Petrovna Blavatsky divulgou e posteriormente também foi descrita pelo escritor francês Saint-Yves d´Alveydre. Mergulhando na natureza ventral, íntima de Sintra, as galerias do seu interior afloradas à superfície tomam formas esquivas, contornos sibilinos trescalando a segredo e secreto, por exemplo, no Parque da Pena, onde estão identificadas nos recantos mais discretos, quase secretos, várias anfractuosidades como a “Gruta do Fada”, a “Gruta da Serpente”, a “Gruta do Monge” e a “Gruta da Princesa”, dentre outras. Todas elas vêm a ser despidas de qualquer mistério transcendente por sua associação a comuns minas de águas, apesar de maioria nada ter de minas de água e tampouco de extracção de saibro; contudo e a despeito da razão profana eterna temerosa do desconhecido que é o entendimento iniciático, na perspectiva deste tais lugares subterrâneos são entendidos como referenciais geográficos de sacralidade ocultada por consequente espiritualidade profunda, inerente tanto à intimidade humana como à da própria Serra Sagrada que a foi e é por a Mística ter nela império como nota dominante. Exemplo disso mesmo foi o caso do misterioso frei Honório, que segundo os registos e data de morte apurados, viveu numa gruta dentro da cerca do Convento dos Capuchos, em reclusão absoluta durante 30 anos, e após a sua morte o seu corpo desapareceu e nunca mais foi encontrado, até hoje desconhecendo-se o paradeiro das suas ossadas.
Muitos mais locais subterrâneos constituídos de túneis, galerias, etc., e todos envoltos em histórias inquietantes que mal assombram ou perturbam a monotonia diária das gentes comuns, existem no Parque da Pena e noutros recantos da serra, contudo não iremos desenvolvê-los neste estudo por serem tão extensos como o assunto. Temos só ainda a apontar o magnífico imóvel, junto a Seteais, da Quinta da Regaleira, que pertenceu ao Dr. António Augusto Carvalho Monteiro e actualmente é propriedade da Câmara Municipal de Sintra, onde foi fundida sob a sua construção original um complexo de enormes galerias subterrâneas ligadas por vários túneis a uma torre invertida, com escadaria espiralada que prolonga-se a cerca de 30 metros de profundidade por 6 de largura.
3 - Torre Subterrânea da Quinta da Regaleira
Torre subterrânea da Quinta da Regaleira, Sintra
No sentido oposto ao lunar impreterivelmente tem-se o sentido solar, que na geografia sagrada congemina-se perfeitamente com a plenitude luminosa e quente que adentra e define a identidade natural da Serra da Arrábida. Ora nesta e na temática em questão, Nossa Senhora da Pedra de Mua, irrevogavelmente temos que direccionar o nosso estudo para o Cabo Espichel. Toponimicamente, esse nome termina na raiz El com que hebreus designam Deus assinalado no astro-rei, o Sol, e que o processo de cristianização das primitivas culturas religiosas possuidoras de um ou vários deuses solares haveria de substituir por um Ente síntese da todas as divindades antigas de natureza igualmente solar: o Arcanjo Mirrail, Mikael ou Miguel.
Em diversos pontos da Europa celta a campanha de cristianização levou a que Mikael substituísse o velhinho deus Lug, gerado da deusa Dana ou Danu e de Bel ou Belenos, apodado de “o Luminoso” e considerado a encarnação do próprio Espírito do Sol na Terra, motivo porque foi a divindade mais importante do panteão lígure, celta e celtibero. Segundo Juan Atienza, Lug também haveria de ser associado ao santo mártir Lourenço, e o seu martírio na grelha incandescente viria a retratar o estado de Chrestus ou Arhat [de Fogo] a fim à 4.ª Iniciação Real que na vida de Cristo equivale à Crucificação mas também ao entrosamento da Energia Celeste vertical (Fohat) com o Fogo Terrestre horizontal (Kundalini) formando uma cruzeta flogística ou Pramantha, e é assim que Lourenço também ficou associado ao Sol na triplicidade da sua manifestação “sacrificial” como Luz, Calor e Chama.
Lug, Lugcitânia, Luxcitânia, Lusitânia, “Lugar de Luz” mas também de “Lug, a Alma do Sol”, eis aí a origem etimológica dos antepassados dos portugueses, os lusitanos. O culto de Lug normalmente ocorria em lugares elevados, enquanto o da sua consorte, Lusina, nos vales e planícies, facto que ainda hoje se atesta sobretudo na toponímia dos bairros antigos de Lisboa, como Chelas e Carnide (termo derivado da raiz celta car, “pedra”, e que ficaria associada à imagem de Nossa Senhora da Luz que na gruta da Machada fez brotar uma fonte miraculosa), na freguesia da Luz. Mas também na margem sul do Tejo confirma-se a presença cultual muito antiga de São Lourenço, tanto em Alhos Vedros (que na Idade Média era o principal centro socioeconómico da margem sul, chegando a possuir um paço para o rei D. João I, e recebido de D. Manuel I o posterior Foral Novo de 15.12.1514, tornando-se sede deste primitivo concelho de Santa Maria de Sabóia (Alcochete, Aldeia Galega, Samouco e Sarilhos, abarcando os territórios dos actuais concelhos do Barreiro e da Moita) e que hoje é o concelho de São Lourenço de Alhos Vedros ou “Verdes”, que durante largos séculos pertenceu ao Mestrado da Ordem de Santiago com sede em Palmela) como na Vila Nogueira de Azeitão, com a sua igreja de São Lourenço, de origem medieval e que esteve sob a protecção directa dos duques de Aveiro, aliás, poderosa família argentária principal promotora e financiadora do convento dos franciscanos capuchos da Serra da Arrábida, bem como a mantenedora da ermida da Memória, no Cabo de Espichel, fundada pelo Santo Condestável Nuno Álvares Pereira no século XIV que a doou à Ordem do Carmelo, de que era irmão leigo antes de professar votos na mesma.
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São Lourenço de Vila Nogueira de Azeitão
Tal como Miguel também Lug se confundia com a Luz de seu Pai, Bel. A esta Divindade Suprema dos celtas eram encaminhadas as almas dos defuntos para que se absorvessem Nela e gozassem da Paz eterna, e se antanho eram conduzidas post-mortem por Lug, hoje as são por Miguel, ambos deuses psicopompos, ou seja, intermediários entre o mundo dos vivos e o oceano dos mortos. Tal panorama é-nos dado pelo Cabo Espichel, onde o Sol se põe e o mundo termina para começar o mar incógnito. A próprio etimólogo Espichel remete-nos para o aspecto solar ou deífico da raiz hebraica El, como afirma José Pedro Machado no seu Dicionário Onomástico-Etimológico da Língua Portuguesa, mas avançando a hipótese de Espichel ser um diminutivo moçárabe, que acabando em el deriva de espicho, “sugerido pela forma do Cabo”. Note-se que a palavra espicho tem, dentre outras, as acepções de “orifício aberto no tampo do barril ou tonel” e “pedaço de madeira aguçado com que se veda esse buraco”, sendo-lhe ainda atribuída a variante espanhola espiche, “instrumento pontiagudo”. Portanto, o nome deste cabo mar do litoral português (coordenadas geográficas: 38º25’N 09º11’W; área: 3.415 hectares; altitude: 0-175 m) origina-se na adopção e aplicação do termo espicho ou espiche, por tomar forma terminal aguçada penetrando o mar. Acrescente-se que a terminação el de muitos topónimos no Centro e Sul de Portugal (Portel, Pinhel, Alportel, Beringel) parece corresponder etimologicamente ao sufixo diminutivo latino ellus, que em palavras de tradição galaico-portuguesa aparecem como elo (portelo, castelo, cutelo, capelo, etc. – Cf. Dicionário Houaiss, do lexicólogo brasileiro António Houaiss, Rio de Janeiro, 2001). Portanto, concluiu-se que espicho indica a “forma bicuda”, e el, como radical do Nome de Deus, assinala o Sol, posto ser este lugar a Ocidente aonde o Sol se põe por sobre o mar, logo, o “Cabo Pontiagudo do Sol”, assim mesmo expressando o “Raio Solar pontiagudo”. O próprio Cristo afirmou em derradeiras palavras na Cruz da Paixão: Elli, Elli, Elli lama sabachthani (“Senhor, Senhor, Senhor porque me abandonaste”), sendo o Elli aramaico igual ao Elion e ao Helius grego e latino, com que se designava o Sol, que os antigos Iniciados entendiam não como o físico no centro do Sistema Solar mas o Sol Espiritual, o seu próprio Logos projectado desde as Alturíssimas no centro da Terra, animando a esta como seu Sol Interno e assim mesmo identificado ao Sol da Meia-Noite como Saturno como Pater do Mundo manifestado, ficando Júpiter, o seu aspecto superior, para o Mundo imanifestado, algo equivalente ao Espírito dando de si a Matéria, opostos complementares em que reside o próprio mistério geminal dos dois Cristos (Jesus e Jairo, Sol e Lua, Mercúrio e Vénus, Autoridade e Poder, etc.), bem como o motivo etimológico da fundação da cidade de Israel (Ísis+Ra+El, “os da Realeza de Ísis”), após o Êxodo hebraico do Egipto, e os nomes associados a Miguel (Sol), Gabriel (Lua), Elevação (Assunção), Elite (Eleitos), etc., também advêm da mesma fonte.
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Arcanjos Miguel e Gabriel com os estandartes do Sol e da Lua (painel de azulejos (século XVIII) no Jardim Castro Guimarães, Cascais)
Contudo, apesar de considerarmos o aspecto solar como a tónica dominante da Serra da Arrábida, e o aspecto lunar como o da Serra de Sintra, a verdade é que, numa análise mais acurada, ambos os aspectos completam-se entre si suscitando um homogéneo culto lunissolar, posto que onde um predomina o outro também se apresenta subsidiariamente.
Foi na Serra de Sintra, na região de Colares, que foram descobertas aras consagradas ao Solis et Lunae no Alto da Vigia, onde subsistem vestígios de um templo romano datado dos séculos II-III d. C. que o arqueólogo e epigrafista Cardim Ribeiro divulgou nas suas Religiões da Lusitânia – loquuntur saxa (Lisboa, 2002). Muito antes, também André de Resende referenciou os cultos solares e lunares na Serra de Sintra na sua Antiquitatibus Lusitaniae (Évora, 1593). Adicionando ao tema, há ainda a destacar o Cabo da Roca tendo no alto do monte da Peninha sobre ele a ermida de São Saturnino, este que aí não é mais que a herança cultual cristã do antigo culto fenício ao deus solar Baal antecessor de greco-romano Cronos-Saturno, nomeadamente Baal, com isso confirmando-se a presença fenícia em Sintra que, aliás, influenciou toda a orla mediterrânea como o maior povo navegador da Proto-História decisivamente marcada por ele, a sua cultura e religião, nisto deixando um pouco por toda a parte por onde passou templos e santuários, abertos ou fechados, consagrados aos seus deuses pós-atlantes, a maioria deles figurando na Bíblia cuja escrita (invenção) se deve aos mesmos fenícios, o “povo vermelho”.
colares-2[1]
O templo dedicado ao Sol e à Lua situado no Alto da Vigia, Praia das Maçãs (Sintra) (Desenho de Francisco de Holanda, século XVI)
D. João de Castro, neto do famoso vice-rei da Índia com o mesmo nome, um sebastianista esclarecido que financiou em Paris a primeira edição em 1603 da Paráfrase e Concordância de Algumas Profecias de Bandarra, em concordância com Gil Vicente no seu Triunfo do Inverno (1529) dispôs o Paraíso Terreal no mais Ocidente da Europa – Sintra – sob o ministério da Igreja Militante do Divino Espírito Santo, forma encapotada ou encriptada de assinalar essa misteriosa Ordem de Mariz de que a História pouco ou nada sabe, conformando-se assim com inteira justeza às crónicas medievais de Demanda que apontam o “Castelo do Santo Graal e as Santas Relíquias de Jesus Cristo guardadas por uma Ordem de santos cavaleiros no Mons Salvat, junto ao mar na ponta final da Europa”. Com efeito, no início da Paráfrase lê-se: “Em nome do Espírito Santo, que com os seus dons está de contínuo regando o Paraíso Terreal da sua Igreja Militante”.
Esse neto de D. João de Castro (27.2.1500 – 6.6.1548), o grande vice-rei na Índia e elevado homem de ciência, prosseguiu o projecto do avô que pretendeu unir o Oriente com o Ocidente precisamente em Sintra, assumindo-a Serra Sagrada à semelhança dos mais antigos adeptos da translatio imperii (“trasladação dos impérios”) nela entronizando a quintessência da Tradição Iniciática das Idades, o que explica o facto de ter expatriado do templo de Somnath-Patane, no Kathiawar, região indiana próxima de Diu, para a sua Quinta da Penha Verde de Sintra (inacessível ao público) duas estelas ou lápides com inscrições sânscritas perfeitamente ajustadas à idiossincrasia e à tipologia mítica, religiosa e espiritual desta serra, diferente nos dizeres mas igual no sentido. A tradução para português dessas lápides, feita a-posteriori por João Herculano de Moura (Nova Goa, 1906), revela que prestam reverência à Lua e ao Deus Shiva, a Terceira Pessoa da Trimurti hindu que é a mesma Pessoa da Trindade cristã, o Espírito Santo (a Avis ou Siva anagramaticamente), e à sua encarnação como Rei do Mundo através do príncipe-guerreiro Rajanarayana (Raja-Narayana), fundador a dinastia dos Chaulukyas (ou Kshatriyas, “Guerreiros”, Tributários do mesmo Senhor ou Rei do Mundo). Da leitura traduzida das slokas ou versículos (em português arcaico) afere-se o seguinte:
“V – Esse valente foi chamado Rajánarayana; e foi o destruidor de thronos poderosos e creador de um único reino, para o que as suas mãos trabalharam como raios (do Sol), tornando-se o senhor do mundo.”
Prossegue noutra:
“VII – Este rei teve por esposa Nagâlvedi (ou seja, Naga-Devi, a “Serpente Divina”) a qual com tanta amizade vivia junto do marido, que os dois pareciam a Victoria e a Felicidade unidos. Essa união tornava-a bella como o brilho da Lua.”
Por certo que para o caríssimo leitor mais atento a descrição alegórica dessa encarnação do Deus Shiva e a sua consorte Parvati, ou sejam, Sol e Lua (como os mesmos Cristo e Maria da iconografia mais familiar aos europeus), cujas estelas encomiantes foram trazidas para o ponto mais ocidental da Europa, que é Sintra, é afim a essa outra mensagem constante do projecto íntimo da Ordem dos Templários desejando unir o Oriente (Lua) com o Ocidente (Sol), na realização da Sinarquia ou a Concórdia Universal dos Povos, a quem a Portugalidade esclarecida presta “devoção” pelo entendimento ou “pensamento mítico” do que seja e é o Quinto Império, motivo alentador que anima as mais vivas esperanças humanas ao longo da História através das mentes e corações mais iluminados de Portugal.
Na Serra da Arrábida, em vários cabeços ainda subsistem vestígios de fortificações do povo proto-histórico que a habitou, o sárrio, que depois terá sido aglutinado pela cultura romana de cuja época sobrevive a memória descritiva e alguns vestígios arqueológicos. Dessa última presença lácia, tem-se o testemunho descritivo na obra supracitada de André de Resende, Antiguidades da Lusitânia, apontando que em Setúbal, a antiga Cetóbriga, a igreja de Santa Maria de Tróia foi levantada sobre o primitivo templo de Júpiter-Amon, de que só sobrou o alpendre. Também na ponta do Outão foram descobertas, em 1644, as ruínas de um templo consagrado ao deus Neptuno (divindade aquática, por conseguinte, associada à Lua que rege esse elemento), enquanto no chamado Monte Tormoinho subsistem os restos de um outro templo pressupostamente consagrado a Apolo (o deus Sol).
Mas serão apenas os cultos lunissolares que nos dão indícios da “união” ou relação dessas duas serras de Sintra e Arrábida, ou ainda algo mais poderá ser apontado?
Segundo os dados disponibilizados pelo professor Manuel J. Gandra, a linha costeira portuguesa, devido a processos de alteração climatérica brusca gerados por algum fenómeno cataclísmico, levou a que entre 3000 e 1000 a. C. tivesse lugar o fenómeno de dilúvio que submergiu o litoral vindo a alterar profundamente a vida das comunidades costeiras mesolíticas, provocando a migração forçada para o interior da Estremadura e restante península. Desse fenómeno geoclimático, as alterações mais notáveis resultantes da subida das águas teriam sido a separação das duas elevações geológicas em assunto, as serras da Arrábida e de Sintra, ao originar-se o actual estuário do Tejo.
Contudo, a Geologia parece ter uma palavra a dar sobre esta ligação levando em conta que a actual serra da Arrábida formou-se durante o Período Mioceno, como sendo o remanescente de uma ilha ou de uma cordilheira outrora mais extensa para Sul e Ocidente. Segundo Carlos Freire de Andrade, in Os vales submarinos portugueses e o diastrofismo das Berlengas e da Estremadura (Lisboa, 1937), a tectónica do vale do Tejo e dos vales submarinos ao largo da costa da Caparica têm relação com as nascentes termominerais de Lisboa. Ter-se-á nisto a prova cabal da ligação e outrora união geográfica Sintra – Setúbal, facto indesmentível para a própria Ciência Académica que o afirma. Além disso, as referidas comunidades mesolíticas parecem estar muito relacionadas com os denominados concheiros, aos quais o autor supracitado relaciona com os lugares de tumulação ritual e de culto aos defuntos de uma Humanidade cuja relação com a água é persistente, apontando o significado das conchas presentes na decoração da cerâmica e nos aglomerados tumulares, como tradição de mantimento destinado ao ente querido no além, e não propriamente à sua vida terrena finada.
As formas zoomórficas megalíticas percepcionadas em Sintra parecem corresponder a uma forma de comunicação proto-linguística, comum a analogias transatlânticas, remetendo para cultos lunares de fecundidade arcaicos muito antigos, ligados à forma do coelho de que se acharam vários espécimes pequenos em metal e pedra nesta serra, aliás, também sendo encontrados na Lapa do Bugio, Cabo Espichel, em artefactos eneolíticos com cerca de 3000 a. C. (Período Neolítico Final, ainda marcado pelo megalitismo), nos quais se apresenta um par de coelhos unidos pelas patas traseiras. Além disso, chegaram a ser encontrados esqueletos humanos dispostos defronte para o mar, como que encarando-o assim justificando o sentido “mar dos mortos” dado ao oceano defronte a todas as finisterrae, confirmando a antiguidade da presença humana e a sua deslocação intencional para este lugar preestabelecido e eleito para cultos processados nele desde há milhares de anos.
5 - Alterações Geográficas do Litoral Português entre 3000 e 1000 a.C
Alterações geográficas do litoral português entre 3000 e 1000 a. C.
Por conseguinte, é exactamente na cidade de Setúbal, na sua mitologia de fundação, que encontramos o elo de ligação por via do mito ao tema diluviano divulgado, dentre outros, por Frei Nicolau de Oliveira, professo da Ordem da Santíssima Trindade, na sua obra Livro das Grandezas da Cidade de Lisboa (1620), descrevendo esta urbe sadina fundada por um neto de Noé, Tubal, filho de Jafet (Génesis 10:2), origem da cidade de Setúbal famosa pela sua actividade metalúrgica, nisto inteiramente relacionada com o operariado de Tubalcaim e a tradição hermética do sopro, do fogo e da forja, tal qual faziam os antigos fenícios que aqui viveram na Idades dos Metais, cujo conserto e construção de navios remonta a eles que se faziam ao largo em rotas transcontinentais preestabelecidas, tendo chegado mesmo ao continente sul-americano. Ainda sobre isto, o professor Vitor Manuel Adrião afirma o seguinte:
Tubal, revelado na função de Manu ou Condutor de Povo, bem poderia ser o Seth ou Sárrio, fonema inspirando-me esse outro de sáurio, que é dizer, o réptil serpentário que “rasteja”, “escorrega” para as tocas ou lokas dentro da Terra, novo motivo indicador do povo ctónico ou Sedote que, diz a Tradição Iniciática das Idades, habita nas entranhas profundas da Serra da Arrábida, distendida desde o Cabo Espichel até quase às portas de Alcácer do Sal. A península de Setúbal engloba todo o maciço rochoso da Arrábida e tem por áxis-mundi o próprio Cabo Espichel, o lugar da Senhora de Mu (Mu-Ísis), alusão toponímica à Atlântida como o mesmo País de Mu.”
É exactamente junto ao litoral português que encontramos a maior quantidade toponímica de raiz Mu, como Murteira (Serra da Arrábida), Mucifal (Serra de Sintra), Murtas (vila de Sintra), Murtal (Cascais), Mucane (poeta árabe dos séculos X-XI falecido em Alcabideche) e em outras inúmeras localidades, como o autor supracitado também divulgou na linha do inscrito na Crónica Geral de Espanha de 1344 e nos diversos volumes da Monarquia Lusitana, como ainda Serra do Muradal (Castelo Branco), São Pedro de Muel e Vale de Mu (Sardoal), Muge e Serra das Mutelas ou Moutelas (Torres Vedras), Mugideira (Turcifal), Serra do Caldeirão ou de Mu (Algarve), etc. Ainda dentro da toponímia ante pós diluviana, encontramos a denominação originária dos gregos quando referiam-se a um povo ancestral que vivia junto às costas marítimas, os pelasgos. Moisés Espírito Santo avança mesmo a hipótese que possivelmente “toda a região minhota se tivesse chamado Pelagia, pela quantidade de sítios que, sob o Cristianismo, foram baptizados de São Paio (Pelagius)”. Além disso, acrescenta ainda: “Em todo o País uma densa camada toponímica parece referir-se, por um lado, a Pelagius (Gaio, Sampaio, etc.), e por outro, a Salacius, sobretudo os nomes de rios e ribeiros iniciados por Salaçh, de que Alcácer do Sal (Salácia) sem dúvida deve-lhe o nome. Moedas encontradas nessa região representam Salacius com o tridente e o golfinho”. Facto que a Tradição Iniciática das Idades sempre assumiu, como explica brilhantemente o Professor Henrique José de Souza no seu livro Mistérios do Sexo, de que ao formar-se a Raça Atlante, também designada Raça Equilibrante (entre homens e deuses), com ela geraram-se as sete sub-raças em sete diferentes pontos do globo. Assim, uma das sete, nomeadamente a 6.ª sub-raça atlante comportando exactamente os pelasgos, os etruscos, os cartagineses e os citas originários da bacia do Mediterrâneo, após o cataclismo universal que dizimou essa Raça haveria de emigrar para a Península Ibérica. Completando o tema, o grande ibérico dr. Mário Roso Luna elucida-nos quando afirma com propriedade que “a religião ofita da “adoração” caldaica ao deus Nebo ou da “Sabedoria Primitiva”, foi trazida pelos pelaskos, paleo-askos, pelasgos ou “homens do pélago marítimo” cujo símbolo é Neptuno e que, a nosso ver, possui esse nome que não passa de um apelido simbólico sobre o qual convém que nos detenhamos. O verdadeiro nome clássico de Neptuno, de facto, é Poseidon, como o nome da última ilha atlante submersa há cerca de dez mil anos assim chamada em homenagem a Neptuno, de acordo com os célebres Diálogos de Platão”.
Relacionado com o tema, temos ainda o texto inscrito na tábua árabe compacta rectangular com 58 cm de comprimento por 15,5 cm de largura e 1 cm de espessura, descoberta em Agosto de 2009 numa gruta do Vale das Lapas na Serra da Azóia (Sesimbra), portanto, dentro do aro geográfico do Cabo Espichel, pelos arqueólogos sesimbrenses Rui Francisco e Miguel Amigo, onde apresenta escrita a sura 39.ª do Alcorão em estilo cúfico dos dois lados, tornando-a coerente com o que era usado no século XII no contexto almorávida, expressando a simbiose simbólica entre a fuga do Profeta e a fuga do Atlante, como igualmente entre o período conturbado de Sesimbra conquistada pelo cristão e a Atlântida devorada pelo oceano.
É também nas lendas e tradições que aferimos que o extremo litoral português surge preferencialmente como berço do descendente de um povo oriundo de uma linhagem real possível antecessor do Dilúvio Universal que marcou o fim da Atlântida (como sucede nas ilustrações dos azulejos setecentistas os azulejos na igreja matriz do Monte da Caparica), cujos melhores da Raça – física e espiritualmente falando – ter-se-iam interiorizado em amplos e profundos espaços abertos no ventre da Terra, descrevem os Anais Ocultos da Tradição Iniciática das Idades, o que evidencia a ligação subterrânea existente entre as duas serras distintas de Lisboa. Os próprios homens-marinhos que a variada mitologia popular conta habitarem nas margens do Sado e do Tejo desde Setúbal até Sintra, e que o próprio Damião de Góis deixou impresso na sua obra já citada (Descrição da Cidade de Lisboa), incluindo o povo oestrymnia cultor das serpentes, donde se vazaria a lenda de Ofiússa, a “Mulher-Serpente”, rainha sereia que fundaria Lisboa, como relata Estrabão, todos esses são sinais mitológicos indicadores do Passado remoto ante, durante e pós diluviano. Não deixa de ser inquietante a presença da Pedra Furada, vestígio notável do povo sárrio em Setúbal indicando exactamente cavidades escavadas ou feitas pela própria Natureza adentrando o seio da Terra, como também determinadas tradições religiosas realizadas em espaços subterrâneos da Serra da Arrábida, de que é exemplo notável a Lapa de Santa Margarida, cuja foi aí erigida em honra e memória da virgem mártir Margarida, dando prossecução cristã a um culto hipogeico oriundo de época remotíssima, possivelmente paleolítica, mas que tomou essa feição benta após os frades arrábidos terem-se instalado nesta serra no século XVI, tomando o culto ctónico da santa “pérola” (margarida, em latim) vulto e fama a partir dos inícios do século XVII.
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Pedra Furada em Setúbal, e capela de Santa Margarida no Portinho da Arrábida
Factos e evidências de um Passado longínquo de fausto e grandeza teimando em não ser esquecido, mesmo que agora revestido de lendas e mitos onde o maravilhoso casa com o misterioso, desde há séculos para cá justificam a mobilização de todas as classes sociais, em que até se envolveram reis e rainhas, a par dos condes e das armas de Portugal em meio ao imenso povo, do soberbo, belíssimo cheio de significados que perpassam as aparências, Círio da Nossa Senhora de Mua, unindo na devoção comum às duas bandas ribeiras do Ocidente de Lisboa, trazendo consigo as mais antigas já de si intemporais tradições onde prosperamente flui a espiritualidade como tom dominante deste verdadeiro Paraíso Terreal que a desgraça dos homens levou um dia a ser dividido pelo mar profundo, Sintra e Arrábida, contudo, ficando o hausto encantado de uma percepção mais que sagrada, divina.
O CÍRIO REAL DE NOSSA SENHORA DA PEDRA DE MUA
Os Círios, cultos votivos populares de ordem e origem religiosa e profana, vieram a ser organizados por comunidades rurais naturalmente ligadas a ritos agrários que por via da sua religiosidade de adopção cristã, serviram-se da catequese desta para revestiram e assim prosseguirem crenças e ritos imemoriais, adaptando os elementos da confissão professada num sincretismo encorajador e justificador do credo primitivo que, na realidade, numa foi abandonado, tão-só adaptado à nova noção religiosa, assim legitimando a sua continuidade onde se vêem aparecer deuses agrários antigos com atributos iguais aos de novos santos cristãos, adaptações daqueles, sendo por isso que as festas de muitos padroeiras e padroeiras locais revestem-se da mistura inextrincável de religioso e pagão, não raro aquele sujeito a este.
Foi por isso que muitos dos círios populares realizados em solo nacional sempre esbarraram com alguma resistência ou conflito com as entidades religiosas oficiais. Contudo, o Círio de Nossa Senhora da Pedra de Mua, segundo documentação reservada na Biblioteca Nacional de Lisboa, iniciado oficialmente cerca de 1430, “21 anos depois do aparecimento da imagem milagrosa”, além do seu carácter popular reunindo várias freguesias do Termo de Lisboa e Margem Sul do Tejo, também foi abraçado pela corte portuguesa, inclusive ficando conhecido como Círio Real. A sua origem é anterior à data oficial e até ao registo de 1414 (sendo que o primeira registo documental consta da carta régia de 14.4.1366 da Chancelaria de D. Pedro I), ano em que D. João I fez a doação dos terrenos do sítio do Cabo Espichel ao Santo Condestável Nuno Álvares Pereira, para o culto puder dispor à-vontade desse espaço cuja manutenção espiritual ficou a cargo da Ordem do Carmo, por doação de D. Nuno ao seu Convento em Lisboa através D. Diogo de Vasconcelos, cavaleiro comendador de Sesimbra. Ainda nesse ano, o Santo Condestável mandou construir a pequena ermida em memória de Santa Maria da Pedra de Mua, legendariamente aparecida aí montada numa mula, mas que também poderá ser corruptela fonética do árabe mulah.
Com efeito, as raízes cultuais neste lugar, como nos aponta o professor Vitor Manuel Adrião, recuarão aqui ao tempo dos primeiros instalados moçárabes, fusão antropológica de sangue cristão dominado com o árabe dominador, sobretudo o árabe natural de Saleh (na fronteira da Jordânia com o Egipto), descendente daquele do mesmo nome que nasceu nove gerações após Nuh (Noé) e o Dilúvio Universal, segundo o Alcorão. Essa etnia acompanhou a invasão e ocupação árabe da Península Ibérica por Tarique no século VIII, e cedo consorciou-se com os cristãos locais, sobretudo com os que viviam das fainas agrícolas fora da cerca lisbonense, portanto, nos arrabaldes ou termo da cidade, dando por consequência origem à “etnia” çahroi, çalaia ou saloia, isto é, a do “homem do campo”. A própria ermida da Memória evidencia o formato kaábico (com a sua planta rectangular e paredes pouco elevadas, com cúpula contracurvada em forma de bolbo terminando num pináculo boleado, mas cuja bola desapareceu nos anos 90 do século passado) evocativo, por certo, da antiga presença árabe no Cabo, ela que é sobretudo um oratório de ermitão ou “homem do deserto”, como foi Santo Antão que lá está retratado em azulejo setecentista, sinal da vida eremítica que aqui houve desde que árabes e ibéricos se uniram. Além disso, a Senhora de Mua é uma Virgem Negra, prefiguração da Grande Deusa-Mãe presente no culto celta estremenho cedo abraçada pelos moçárabes cuja parte arábica não esqueceu as suas origens orientais, sobretudo o culto a Éster não raro associada à figura primacial de Ísis, que o Cristianismo transporia iconograficamente para a figura da Virgem Negra. Inclusive, junto à entrada da Lapa do Bugio encontraram-se esqueletos humanos defronte para o mar, intencionalmente desmembrados com os ossos serrados, sugerindo um tipo de ritual funerário isíaco, nisto também se achando junto àqueles algumas moedas árabes onde figuravam Ísis, a “Deusa Resplandecente”, apodo transposto para a ladainha mariana como Stella Maris, a “Estrela-do-Mar”, afinal, Vénus, a quem os antigos conferiam a tipologia feminina como planeta do Amor e que os carmelitas celebrariam a partir do episódio bíblico do profeta Elias (I Reis 18:44-45).
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A caverna espaçosa do Cabo Espichel
Em 1430 fixou-se aqui o Giro Saloio ou do Termo e o culto aumentou consideravelmente, sobretudo devido às constantes demostrações devocionais da própria Coroa pela Virgem do Cabo, cedo atraindo também a devoção dos duques de Aveiro, inclusive levando D. Álvaro de Lencastre, 3.º duque de Aveiro, a mandar construir em 1662 um templo maior que estaria na origem do actual, por o número de romeiros não parar de crescer. Esse acontecimento esteve sob a influência da Casa do Infantado por o espaço estar incorporado aos bens da Casa Real, e foi assim que a partir de 1701 D. Pedro II ordenou ao desembargador António de Oliveira Santos a construção da basílica, cuja traça ficou a cargo da arquitecto real João Antunes. A sua inauguração deu-se em 1707. A particularidade deste templo é a sua construção ter sido feita seguindo a orientação oeste-este (contrariamente ao normalmente estabelecido nas regras canónicas da arquitectura cristã), ou seja, com o altar virado para o mar a oeste. Em 1715 (indo até 1794) o terreiro dianteiro à basílica serviu para lateralmente edificarem-se novas hospedarias destinadas aos festeiros, juízes, dignidades religiosas, etc., e ainda uma cocheira para a berlinda, o carro triunfal carregando a imagem da Virgem. No ano de 1740, o rei D. João V mandou pintar o tecto da basílica em “arquitectura perspectivada” (Assunção) ao cenógrafo Lourenço da Cunha, que também ficou responsável pela restante decoração pictórica. Mas em 1770 o rei D. José I mandou repintar o tecto do templo e refazer os altares laterais, além de mandar abrir uma tribuna real e mandado construir o aqueduto (desde Azóia até aqui), a casa de água e a horta, reparando-se também as hospedarias.
Como atesta Frei Agostinho de Santa Maria no seu Santuário Mariano (Tomo II, Livro II, Tit. LXXXIV, Lisboa, 1707), a veneranda imagem de Santa Maria do Cabo tem menos de um palmo de altura e encontra-se fechada num pequeno sacrário. Por sua vez, Frei Cláudio da Conceição, autor da Memória da Prodigiosa Imagem de Nossa Senhora do Cabo (Parte I, Lisboa, 1817), confirma que a mesma possui tez de cor morena, portanto, indiscutivelmente uma Virgem Negra, tal qual os negros de Alfama e do Bairro Alto que levavam ao peditório para o Círio da Nossa Senhora da Atalaia as imagens da Senhora e o Menino Jesus de cores negras, por acreditarem que a Virgem Maria era natural da Etiópia. No entanto, em 1751 os romeiros de São João Degolado da Terrugem (Sintra), encomendaram ao mestre Machado de Castro, da Escola de Arquitectura de Mafra, uma cópia de tez mais clara da Virgem, que ofereceram aos Círios Saloios e que desde então os acompanha no Giro das paróquias consignadas, ficando a imagem original perpetuamente na basílica do Cabo.
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A Virgem Negra de Mua com o Menino no altar maior da Basílica Real do Cabo Espichel
A devoção da Casa Real Portuguesa a Santa Maria da Pedra de Mua foi sempre extremada, particularmente desde a pessoa de D. João I e seus sucessores, destacando-se D. João V, D. José I, Dona Maria I, D. João VI, D. Miguel I, D. Maria Pia de Saboia praticamente até D. Carlos, aos quais cabia a função de juízes ou benfeitores do giro e festa da Senhora. Para esse giro saloio que também era sadino concorriam várias paróquias das bandas norte e sul do Tejo, ficando a santa imagem durante um ano em uma das 30 freguesias (hoje 26) do giro que chegou a ter Belas como cabeça juiz. O Círio durava cinco dias, saindo da freguesia onde ficara a imagem da Senhora na terça-feira (dia de Marte sucessor do da Lua, segunda-feira) que antecedia a Ascensão (40 dias após a Páscoa: quinta-feira de Espiga), indo depositá-la na capela de Nossa Senhora das Dores, em Belém, em ficaria até ao dia seguinte. Então, o Círio prosseguia atravessando o Tejo sob 21 salvas disparadas pelos canhões da Torre de Belém, desembarcando-se de galeotas e bergantins em Porto Brandão. Novamente em terra, o Círio reorganizava-se e prosseguia para o Cabo mas fazendo-se várias paragens em alguns templos consignados “estações” obrigatórias no caminho, nomeadamente na igreja matriz de Nossa Senhora do Monte Caparica e na capela da Senhora do Bom Sucesso, na Banática. Chegando-se ao Cabo, o cortejo do Círio dava três voltas à basílica antes de adentrá-la e levar a imagem e o círio ao altar maior onde eram depostos.
O festejo ou bodo no terreiro do Cabo inicia-se na quinta-feira de Ascensão, promovido e pago pelos juízes responsáveis pelo Círio nesse ano. No sábado realiza-se a solenidade litúrgica dedicada a São Joaquim e Santa Ana, pais da Virgem Maria, e no domingo, após a procissão incorporada por todos os festeiros da freguesia que ali vai depor a imagem da Virgem e dos que a irão receber, ocorre a entrega da bandeira do giro pelo juiz que termina funções ao que inicia, no interior do santuário com Te Deum, ladainha e sermão. Os festeiros que entregam, encabeçados pelo respectivo prior da freguesia, o juiz com a bandeira e três anjos (meninos), colocam-se todos do lado direito do altar-mor, e os que recebem do lado esquerdo. O mestre-de-cerimónias, que é o prior do santuário, tira a capa de asperges dos ombros do prior da freguesia que faz entrega e vai depô-la nos ombros do prior que recebe. Após entregarem o Círio, os romeiros passam todos para o lado esquerdo do altar-mor. Feita a entrega, é-lhes oferecido um copo de água (tradição que teve início, segundo Ribeiro Guimarães, apenas em 1752), a que sucede a entrega das alfaias e lavrando-se acta do sucedido, assinada por todos os presentes.
Por norma ficavam hospedados no Cabo até ao seguinte, segunda-feira, quando ocorria o regresso. Depois da travessia do Tejo para Belém iniciava-se a jornada para o respectivo destino, para a freguesia de eleição anual do giro. Abria o cortejo uma força de Cavalaria seguida do carro do Fogo (de artifício), e após os juízes com a bandeira e os acompanhantes, mais os ternos de chamarelas e três anjos a cavalo, vestidos de soldados romanos. A imagem peregrina da Senhora era conduzida na sua berlinda puxada a duas parelhas, ladeadas por doze devotos com as tochas acesas. Após ela, os carros: triunfal dos anjos das loas, do padre, dos procuradores, uma galera que levava a música (charanga) e tudo seguido pelo habitualmente longo cortejo do povo festeiro.
Descrita sucintamente a celebração do Círio, o que nos faz avaliar ou estudar esta antiga tradição religiosa é a sua capacidade de mobilizar a devoção do colectivo humano de ambos os lados do Tejo, bem assim como as lendas e personagens associadas às suas origens, génese esta evocada aqui in littera para depois poder-se esboçar a interpretação capaz de levar-nos mergulhar nos arquétipos primordiais ou princípios sagrados da Espiritualidade Portuguesa. É carmelita primeira versão registada da aparição da Nossa Senhora da Pedra de Mua, que J. Raposo Botelho descreve (in Nossa Senhora do Cabo (Resumo Histórico), Sintra, 1928):
“Conta a lenda que na venturosa noite em que a Virgem Mãe deu à luz o Menino Deus, a Serra da Arrábida foi coberta por um clarão extraordinário, que iluminou por completo o Promontório Barbárico (Cabo Espichel). Viu-se então uma enorme nuvem, cheia de resplendores, a qual, como se fora o Sol no seu declínio, foi cair nas águas revoltas do oceano (Stella Maris), onde se sumiu (…).”
Desde já devemos adiantar que a hagiografia dessa lenda está retratada nos símbolos pintadas ou esculpidos dentro e fora da basílica do Cabo, sobretudo nos painéis com frescos do Sol e da Lua vistos de ambos os lados interiores do templo após a entrada, motivo astrolátrico que abordaremos com maiores detalhes mais adiante. Uma outra versão da lenda é aquela contada por Frei Agostinho de Santa Maria, no Tomo II do seu já citado Santuário Mariano, onde conta o apelo desesperado feito pelo nauta irlandês Haildebrant (Brandão) à Senhora durante uma tempestade terrível no mar defronte ao Cabo, com o risco eminente da embarcação soçobrar e todos morrerem afogados. Mas a Virgem logo intercedeu respondendo ao apelo, sossegando o mar em tranquila bonança sob a Lua, e todos se salvaram. Desembarcados em terra firme e vendo uma luz brilhantíssima no alto do promontório, foram ver o que seria e descobriram a imagem milagrosa da Mãe de Deus, o que entenderam como sinal de ali, nessa finisterra, dever-se doravante e para sempre preitar-se culto à Estrela Matutina, à Virgem dos Céus. Sobre esta versão, mais uma vez faço minhas as palavras do professor Vitor Manuel Adrião na interpretação que faz da lenda: “Igualmente desconheço se Sancho Brandão acaso será São Brandão… Para todo o efeito, tem-se a Navegação sobrenatural como simbólica da Via Húmida na Alquimia – Macho/Fêmea, Fohat/Kundalini, Sol/Lua, estes, aliás, representados em painéis no interior da basílica do Cabo. Daí, também, o significado da legenda no azulejo junto ao altar-mor: “Ver o outro sentido além do aparente”.
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Stella Matutina (Vénus), pintura de 1671
Outra versão carmelita, possivelmente de 1409-10, também descrita por J. Raposo Botelho, descreve que o privilégio da descoberta da Virgem de Espichel é simultaneamente partilhado por um velho de Alcabideche e uma velha da Caparica, que tiveram o mesmo sonho profético ao mesmo tempo, no qual maravilhados admiraram uma Luz esplendorosa sobre o Cabo, para onde depois se dirigiram e acharam a imagem milagrosa entre as fragas, após orarem fervorosos. Então, fizeram uma ermidinha toda de alecrim, arbusto saturnino que o há com fartura neste lugar, e depositaram nela a pequena imagem da Virgem Negra. A fama do achado miraculoso em breve se espalhou e pouco tempo depois era instituído o Círio anual à Senhora do Cabo.
Transparecem da hagiografia piedosa dessa lenda os símbolos maiores dos luminares pertinentes à Alquimia Mística, o Sol e a Lua, tradicionalmente associados à Argiopeia (Obra da Prata, Mulher, Lua) e à Crisopeia (Obra do Ouro, Homem, Sol), como explica Anselmo Caetano Munhoz de Castelo Branco na sua Ennoea – Aplicação do Entendimento sobre a Pedra Filosofal (Lisboa, 1732-33), logo não parecendo inocente nem despropositado o facto das duas bandas do Tejo assumirem e destacarem as pessoas anciãs e profetas de uma “velha caparicana” e de um “velho alcabidechense” na génese do Círio Saloio à Senhora de Mua, posto que como homem e mulher anciãos, sinónimos de sábios, naturais de dois espaços distintos, distintamente tanto expressam o Sol e a Lua em cima como a Arrábida e Sintra em baixo! Além disso, tem-se ainda o facto significativo, como já foi dito, de que a cabeça juiz do Círio chegou a ser Belas, regulamentando o processamento do giro até ao Cabo, portanto, da Lua ao Sol, facto reforçado pelo próprio etimólogo Belas expressiva da contraparte feminina de Belenos ou Bel, que na geografia sagrada é assinalado no Cabo do Sol (Saturnino, por o Cabo Capricorniano ou Capum Capresicum, como Estrabão identificou), EspichEL.
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Registo litografado (século XIX) de Nossa Senhora do Cabo aparecendo em sonhos aos velhos de Alcabideche e da Caparica
Portanto, toda esta tradição mariana móvel é por si só um mistério dos maiores que Portugal tem, tanto quanto o “tesouro escondido” do Monte Caparica que, envolto na candura e beleza devocional da lenda, relaciona-se com o manto riquíssimo, ornado de ouro e pedrarias, confeccionado pelas mãos da própria rainha D. Carlota Joaquina que o depôs na imagem da Senhora no seu altar na matriz, daí originando-se o nome Caparica, a “capa rica”, que afinal esconde ou vela a própria Deusa Ísis cuja pessoa e símbolos o Cristianismo reassumiria como Maria, a Stella Maris. Véu ou Manto de Ísis que Vitor Manuel Adrião presta-se levantar revelando a luz da Sabedoria intemporal, como Tradição Iniciática das Idades, é repto final que deixamos sobre a Senhora e o seu Círio em nossas terras lusas: “(…) descodificando o sentido imediato do acontecimento maravilhoso e maravilhado, terá sido por essa data de 1410 que o Condestável Santo – esse novel “São Malaquias” da Gesta de Avis, Siva ou do Espírito Santo, por estar sob a chancela do Carmelo, que em egípcio se diz Espichel, logo, tornando este um Carmelo Lusitano nesta “ocidental Ish-Ra-El” aonde confluíram as três grandes religiões monoteístas afro-mediterrâneas (Judaísmo, Cristianismo, Islamismo) – começou a interessar-se pela fé popular dos saloios e sadinos à Virgem do Cabo, e, com o mesmo e amplo apoio popular, acrescido do real e do carmelitano, seria iniciada em 1414 a construção da ermida da Memória do “milagre”  da aparição divina aí em de 1215, ou seja, o ano em que o culto à Virgem Mãe terá assumido a definitiva forma cristã e, possivelmente, largado a primitiva de feições arábicas, antes, moçarábicas”.
Posto tudo, resta-nos apresentar a modo de confirmação as conclusões a que chegámos sobre alguns dos mistérios que este santuário maior, defronte para o Mare Nostrum, ainda hoje nos reserva nos símbolos mudos da sua linguagem argótica ou oculta inteiramente fundida à Natureza circundante, dando mais transcendência ao mesmo perpassando o limiar do entendimento de simples templo confessional de um catolicismo de crença e catequese, e sim uma Casa de Sabedoria e Fé assistida secretamente pela Ordem e Regra daqueles Maiores que, encobertos ou descobertos, desde a primeira hora da fundação de Portugal o dispuseram sob o evoco e protecção maternal da Mãe e Rainha do Céu, Mariz Nostra.
MISTÉRIOS DO SANTUÁRIO DO CABO
Toda a sua construção parece apresentar arquitectura muito peculiar alinhada não só com o aspecto geográfico do local mas também com o referencial astronómico característico dos templos cristãos, o que lhe confere um discurso oculto (apesar de estar à vista de todos) relativo à tradição religiosa cristã. Segundo os cânones tradicionais de construção, o alinhamento do templo presta-se de Levante para Poente, sendo a entrada o local da morte profana e o altar o da vida espiritual. Mas neste caso peculiar tal não acontece, pois que o templo está alinhado de forma inversa, ou seja, de Este para Oeste. Por que razão apresenta-se tal descritério? Acaso assinalará o Ex Oriens Umbra para o Ex Occidens Lux em conformidade ao tema translatio imperii? O motivo dessa alteração das coordenadas canónicas acaso também poderá estar associado ao significado das Pessoas do dogma da Trindade conformadas ao espaço natural e coreográfico do Cabo, assim iniciando-se o percurso junto ao cruzeiro (Pai), prosseguindo na alameda defronte ao templo (Filho) indo finalizar diante do mar (Espírito Santo), na ponta final do promontório (finisterrae). Além disso, confirmando a intenção geoastronómica dada ao espaço, verifica-se que a ordem e alinhamento da basílica presta-se ao percurso diurno do Sol e ao percurso nocturno da Lua, ambos na mesma linha celeste mas provocando um interessante fenómeno simbológico revelado nas arcarias frontais do terreiro, o qual carrega diversos significados de natureza transcendente que não devemos ignorar ou discriminar vítimas de algum tipo de “complexo intelectual”.
Assim, em primeiro lugar, no largo dianteiro deste santuário mariano e de maneira simbólica estão representadas as vias solar e lunar, assinaladas nos passeios sob a arcaria rústica que suporta os edifícios laterais, que vão encontrar-se diante do cruzeiro (símbolo astrológico da Terra), o que já de si é uma expressão estupenda dos conhecimentos ocultados dos construtores deste espaço, projectados e aplicados com a maior exactidão geoastronómica, pois antes do amanhecer a Lua desloca-se por sobre o arco lateral esquerdo (onde, aliás, está o seu painel no interior do templo) e o Sol, da mesma maneira, por sobre o arco lateral direito (onde está o seu painel dentro do templo) ao entardecer. Fenómeno curto no tempo mas eterno na grandeza da sua magnificência.
Em segundo lugar, verifica-se existir uma relação íntima entre o fenómeno das luminárias celestes projectando os seus raios através dos dois arcos (solar e lunar) e o cruzeiro com a sigla INRI, concluindo-se que a distância deste aos arcos foi calculada milimetricamente, para que o crente ao prostrar-se defronte ao cruzeiro pudesse contemplar a Lua Cheia ocupando inteiramente a área do arco. Caso saísse dessa posição, toda a “magia” perdia-se… O mesmo acontece no arco solar na hora do crepúsculo. Tem-se assim uma trindade perfeitamente esquissada numa antevisão arquitectónica entre o Sol, a Lua e a Cruz. Há ainda um outro pormenor a considerar: no topo de cada um desses arcos está uma taça, que apesar de parecer apenas decorativa realmente está intimamente relacionada com todo este pas de deux entre o Sol e a Lua e o seu real sentido iniciático a que afinal se destina todo este espaço sagrado.
9 – Via ou Percurso da Lua10 - Via ou Percurso do Sol
Vias ou percursos da Lua e do Sol (montagem)
Do ponto de vista religioso tradicional, a interpretação corresponde à recapitulação da vida de Cristo, aquando ocorre a Imaculada Concepção da Virgem Maria sofrendo as dores de parto (e nesta posição a Lua apresenta-se vermelha rubra) para “dar à luz” o Menino (Sol Levante), e de facto ao nascer do Sol a única parte do santuário que fica iluminada é a sua fachada, onde no nicho cimeiro apresenta-se Nossa Senhora com o Menino nos braços. Simplesmente sublime! A ascensão do astro-rei até ao zénite representa o Ministério em vida do Senhor (Sol), e a fase descendente até ao oeste expressa o seu Julgamento e Paixão, nesta última fase sempre acompanhado por sua Mãe Maria (Lua) até à Morte do seu Filho na Santa Cruz (Terra).
No que diz respeito à lenda, o velho de Alcabideche e a velha da Caparica mais não são do que as figurações antropomórficas simbólicas do Sol e da Lua (as “velhas” luminárias celestes que a Humanidade sempre admirou e cultuou como fonte de vida) que se reúnem neste promontório sagrado depois de um giro “zodiacal” para fundar o centro da sua devoção e reunião com a Mãe-Terra, Nossa Senhora da Pedra de Mua.
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Painéis da Lua e do Sol no interior do santuário do Cabo
No entanto, além do dogma católico e das lendas associadas neste particular à Senhora do Cabo, existe um outro discurso hermético ou velado, que na altura da povoamento cristão do culto e fundação da basílica foi adoptado e aplicado exclusivamente por esses Maiores iniciados nos mistérios da Gnose cristã, ou seja, o chamado Cristianismo esotérico, este que na Europa do século XIV ao XVII teve a sua expressão máxima nos Irmãos ou Frates subscritores anónimos da Mensagem Rosa+Cruz, com a sua Alquimia Mística mas também Metálica que vem a completar o sentido oculto da designação Círio Real, nisto interpretado como a Iniciação de Delfim que é a Arte Real, a Alquimia, nisto a vela acesa sendo símbolo da luz que alumia as trevas do homem que atinge o Conhecimento Perfeito (Gnose). Neste sentido, todo o imóvel sagrado canonicamente predisposto presta-se à leitura e aplicação hermética da Grande Obra Alquímica (Obra Mística, Obra da Fénix, Via do Absoluto), partindo da imperfeição e decadência material dos seres da Natureza visando a reintegração do Homem na sua dignidade primordial, divina, expressa na descoberta da Pedra Filosofal. A conjunção ou retorno à Origem ou Unidade dependerá do esforço do Homem em atingir tal meta, pois que Deus se divide em homens e estes se somam em Deus. A Divina Unidade é apreendida no tratado da Tábua de Esmeralda, de Hermes Trismegisto (“o três vezes grande”), como a principal referência dos alquimistas medievais e renascentistas na sua laboração da “mítica” Pedra Filosofal. Segundo o seu ensinamento, “o Sol é seu Pai; a Lua é sua Mãe; o Vento a contém em seu seio; a Terra é a sua nutridora”. Assim, temos a mesma manifestação trina nesse triângulo Sol, Lua e Terra que correspondem ao Espírito, Alma e Corpo. Ora, a verdadeira Integração no Divino ocorre aquando do retorno à Unidade, equivalendo à junção numa só coisa ou substância única (“vento”, sopro) do Sol, da Lua e da Terra. Eis aí o símbolo astrológico que sintetiza todo este processo, o de Mercúrio, só por «acaso» o do Cristo Universal como Andrógino Perfeito (Assura ou Arqueu – Ar, Andrógino) e dos seus Apóstolos ou Adeptos encobertos em plagas lusitanas sob a sigla Maris ou Mariz. Na própria Alquimia esta realidade é assumida como os princípios ou “espíritos” do Enxofre, Mercúrio e Sal, e também Satva, Rajas e Tamas (qualidades subtis da Matéria), correspondendo ao Sol, Lua e Terra, cujos respectivos símbolos astrológicos ao serem unificados geram esse outro símbolo do Mercúrio (Filosófico). Portanto e recapitulando a relação íntima pelas linhas de distância entre cruzeiro e os arcos frontais, não restam dúvidas que temos aqui os três princípios alquímicos ou qualidades subtis da Matéria aplicados à Grande Obra numa magnífica e silenciosa simbiose geoceleste neste espaço já de si sagrado, deixando ad aeternum a marca ou selo de Hermes.
11 - Os três princípios alquímicos ou subtis da matéria formandos sob o símbolo do mercúrio
Os três princípios alquímicos ou subtis da Matéria formando o símbolo de Mercúrio
O templo, oposto ao cruzeiro, simbolizará o nascimento, ou antes, o renascimento do peregrino da vida na figura da Nossa Senhora com o Menino ao colo, a Mãe Divina, a mesma Allamirah veste humana da antiga Rainha atlante Mu-Ísis, como se comprova pelos tons morenos ou escurecidos dessa antiga imagem da Senhora tão particular das Virgens Negras, que além de expressa nas conchas decorativas do seu nicho na fachada dianteira do templo como alegóricas de Vénus, a evocação desta reaparece magnificamente na legenda latina da pintura no tecto do altar-mor: Ave Maris Stella, “Ave Estrela-do-Mar”, com a estrela matutina por cima, a da Anunciação, e a coroa do Espírito Santo, expressiva da Realeza Celeste que assiste ao Paraíso Terreal em conformidade à translatio imperii, sobretudo o aparecimento do V Império Lusitano sinal do Império Universal da próxima Ronda e Cadeia de Vénus. Esta Vénus, a “Mulher Estrela Coroada” como Maria ou a mesma Stella Maris derradeira esperança da Cristandade e de toda a Humanidade, é a mesma “estrela-do-mar” dos Filósofos do Fogo, os Alquimistas, como o Mercúrio Filosófico que unifica, na Via Húmida, os dois princípios – activo (Sol) e passivo (Lua) – simbolizados nos arcos do lado da Epístola (“corredor da Lua”) e do lado do Evangelho (“corredor do Sol”), no fundo expressando as obras da Argiopeia (Prata) e da Crisopeia (Ouro). Inclusive, em guisa de confirmar tudo quanto está exposto no seu exterior, revelam-se no interior do templo as vias lunar e solar nos painéis com as pinturas da Lua (Barishads ou Anjos – Feminino, Água) e do Sol (Agnisvattas ou Arcanjos – Masculino, Fogo) antes do corredor central nas suas extremidades opostas, coadunando-se com os santos nos altares laterais, com especial destaque para o de São Lourenço (Círio de Azeitão, 1722, do lado da Epístola) e de Nossa Senhora da Conceição (ou Concepção – Círio de Almada, 1718, acrescentado em 1780 pelo Círio dos Saloios, do lado do Evangelho), as quais fundem-se numa só via lunissolar ou andrógina assinalada na supradita pintura sobre o altar-mor, com a coroa imperial, a estrela de seis pontas e a expressiva legenda Ave Maris Stella acima da imagem beatíssima de Nossa Senhora da Pedra de Mua com o Menino. Eis o Androginismo Perfeito no mais sublime matrimónio entre Obra Natural e Obra Humana, sublimamente resumido nesta antiga Basílica Real de Santa Maria do Cabo.
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Pintura do tecto do altar-mor do santuário do Cabo com a legenda Ave Maris Stella centralizada
Assim, do ponto de vista iniciático, trata-se não apenas de pontuar passagens históricas da vida de Jesus mas sobretudo de realçar passos do caminho de realização do Cristo Interno, como reconhece São Paulo na Epístola aos Gálatas (4:19): “Sofro de dores de parto até que Cristo nasça em mim” (e não “em vós”, como o texto transcreve), realizando as anteriores palavras do Evangelho de São João: “Importa-vos nascer de novo” (3:3-7). Temos nessas palavras da escritura sagrada mais que a alusão ao nascimento carnal ao nascimento espiritual, que acontece com a recepção da Luz aquando da Iniciação, no caso, a primitiva gnóstica ou sapiencial do Cristo Deus que tornava Perfeitos os seus Apóstolos mais não sendo que Mestres Reais.
No nascimento físico, a alma que animará o homem advém da Ideia Primordial, ou seja, do Mundo dos Arquétipos ou Mundo das Causas (Mundo Celeste, Mental Superior ou Além-Akasha) para o Mundo Manifestado da Matéria, Mater-Rhea, Mãe-Terra, a Mãe Suprema nutridora de todo o ser encarnado, e como Mulher tendo os seus ciclos menstruais sob a influência directa das fecundas vibrações psicofísicas da própria Lua, do Mundo ou Esfera Lunar (Kama-Somático), durante a gestação do filho em seu ventre materno durante 9 meses (número cabalístico da própria Lua por assinalar o seu ciclo fecundador), e após o parto o ser nascido passa a ser regido pelo ciclo solar nos 12 meses anuais até à extinção da sua vida física. Do mesmo modo, o discípulo passa do estado passivo-lunar à condição activa-solar de Adepto através da Iniciação Real, tornando-se de “Filho de Mulher” (Iniciação Menor, Simbólica) em “Filho do Homem” (Iniciação Maior, Real), permitindo-se fazer igual ao seu Mestre em Poder, Amor e Sabedoria pelo nascimento do seu próprio Cristo Interno (o despertar do Eu Divino), tal qual Maria O concebeu pela Graça do Divino Espírito Santo – o Terceiro Logos Criador como Poder da Vontade posta em Actividade. No entanto, ser tocado ou tomar o Dom do Espírito Santo é entendido aqui como o despertar ou recuperar da Essência Divina perdida no esquecimento do seu encerro na Matéria, tal qual assinala a alegoria bíblica da “expulsão de Adão e Eva do Éden”. A descensão e encadeamento do Espírito à Matéria prefigura-se na serpente tentadora e consequente proclamação da Sentença de Deus: “Rastejarás sobre o teu ventre, alimentar-te-ás de terra todos os dias da tua vida” (Génesis 3:14-15), correspondendo à descida da Energia Celeste (Fohat) na Matéria (a Terra) indo “densificar-se” como Energia Planetária (Kundalini) para constituir o Laboratório do Espírito Santo (o Sol Interno do Globo, a mesma Shamballah, Walhallah ou Salém), a qual no Homem está retida no Chakra Raiz na sua zona sacra ou sagrada (ponto terminal em guisa de “promontório” na extremidade inferior da coluna vertebral). Esta Energia serpentina – volteando por entre os “centros vitais” ou chakras – anima as funções procriadoras e a mente humana dotando-a das maiores potencialidades. Essa mesma Energia quando desperta, libertada conscientemente do Chakra Raiz permite com isso, aos Iluminados, a libertação dos grilhões da Matéria. Ela é Kundalini, o mesmo Fogo Criador do Espírito Santo, a mesma Força Flogística Electromagnética para os orientais e ocidentais. Por isto, desde a Antiguidade até hoje o verdadeiro Iniciado também é chamado Serpente de Sabedoria (Gnoseophis), como foi Moisés domando a serpente que se enroscou no seu bastão e depois reapareceu enroscada na Cruz de Cristo, encimada pelo letreiro com as iniciais I.N.R.I., não significando somente Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum (“Jesus Narazeno Rei dos Judeus”) mas sobretudo Ignis Natura Renovatur Integra, ou seja, Pelo Fogo se renova a Natureza inteira. Fogo Criador que activa os sete Chakras ou “Centros de Vida” num trajecto ascendente espiralado ao longo da coluna vertebral, indo gradualmente transformar o ser humano mortal em imortal, dotando-o do estado Crístico próprio do Iluminado, assim mesmo transformado de Jiva em Jivatmã, de “Vida-Energia” em “Vida-Consciência”, o que lhe permite alcançar a condição primordial de Espírito Divino integrado ao Mundo Causal pela união eucarística ou Eu-Crística ao seu Cristo Interno, partícula do Cristo Universal. Donde a máxima no Evangelho: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim” (João 14:6). As mesmas palavras repetiu-as JHS: “Eu sou a Verdade do Mestre, o Caminho do Discípulo e a Vida da Escola”!
No seguimento desses factos iniciáticos, há ainda a acrescentar que as três vias que se expressam cenicamente no espaço do santuário do Cabo (como sejam as lunar, solar e central ou andrógina, em guisa de Ida, Pingala e Sushumna, as três linhas por onde discorre a Força Criadora na coluna vertebral humana), relacionam-se ao tema do Sol Central, Único e Verdadeiro, que na Terra constitui as três forças físicas ou qualidades subtis da Matéria: centrífuga, neutra (equilibrante) e centrípeta (Satva, Rajas e Tamas),as quais servem de condutos à manifestação dos três Princípios Superiores do Homem: Atmã, Budhi e Manas (Espírito, Intuição e Mental Superior), sobrepostos aos quatro Princípios Inferiores já desenvolvidos – Mental Inferior, Emocional, Vital e Físico. Como afirmava o Professor Henrique José de Souza, essa Trindade é na realidade inseparável, “presta-se à evolução de cada homem, precisamente por ela ser a Mónada, um microcosmo ou pequeno universo que se desenrola individual e colectivamente por vontade e esforço próprio, exigindo-se de todos e de cada um a sua voluntária contribuição para que o Tudo volte ao Todo”. Portanto, é através dessa natureza andrógina que este templo do Cabo secretamente propõe que apercebemos no sentido oculto dos vasos ou taças no alto dos arcos laterais as prefigurações do Santo Graal – “recipiente onde são feitas as mais sublimes, espirituais e místicas fusões e sublimações alquímicas” (recolhendo as influências espirituais lunares e solares) – que tanto pode ser Objecto (Taça Livro e Pedra ou Ara) como estado de Consciência Iluminada (Mental Superior, Corpo de Espírito Santo tradicionalmente identificado como Stella Maris, como a terceira expressão da Mónada Divina ou Tríade Superior), aqui através da Iniciação Senhorial ou Mariana concluída na Iniciação Dominical ou Crística (começada em dia da semana e culminada no domingo, quando o Senhor Sol começa novo giro semanal, o que também tem a ver com a Iniciação Real (Alquimia) e a Iniciação Sacerdotal (Teurgia), como seja, a do Kshatriya, “Guerreiro”, e a do Brahmane, “Sacerdote”), para todo o efeito, imperando a Luz e Glória do Terceiro Logos ou Trono aqui sobeja e soberbamente representado na Mãe Divina, expressão da Força Criadora do mesmo Espírito Santo ou Shiva que, para todo o efeito, é o Princípio Causal do Universo e do Homem.
12 - Taças Sagradas – expressão simbólica do Santo Graal (receptoras das energias lunares e solares)
Taças sagradas, expressões simbólicas do Santo Graal na sua dupla expressão de receptor das energias lunares, “Taça da Amargura”, e solares, “ Taça da Exaltação”
Lateralmente ao corpo do santuário, também em relação com este tema, temos o arraial das hospedarias (emparedadas em 1996) que eram destinadas exclusivamente ao alojamento dos romeiros, a casa dos festeiros, a casa das pratas, a habitação do capelão eremitão, a cocheira para a berlinda (onde era conduzida a Senhora) ou carro triunfal, num total de 29 lojas e 40 sobrados acrescentadas ao espaço ente 1715 e 1794 pela Casa Real. Assentam sobre um conjunto de arcos rústicos tanto à direita (63) como à esquerda (47), que completam com os dois arcos laterais ao santuário (permitindo o acesso ao fim do Cabo) o número exacto de 112. Seja acaso ou causalidade, o facto é que esse número é muito significativo do ponto de vista iniciático: é indicador da Linha de 111 Adeptos chefiados por um Kumara. Como há 7 Linhas no Pramantha a Luzir, logo tem-se os 777 Adeptos chefiados pelos 7 Kumaras ou Planetários que constituem a Excelsa Fraternidade Branca dos Sete Raios de Luz. No tocante a aqui, neste caso pode muito bem referir-se à 5.ª Rama Portuguesa dessa Grande Loja Oculta composta de 111 Encobertos dirigidos pelo “Arcanjo” Sakiel. Além disso, arco, arca ou arcano, do latino arcanum, “secreto, escondido, encoberto”, assume aqui o sentido, de sagrado, segredo e secreto que todo o romeiro sábio no giro ou mobilidade da Iniciação irá gradualmente desvelando e integrando em sua natureza íntima no percurso que faz desde o cruzeiro ao templo. Além disso, o arcanum assume aqui os segredos da História Oculta de Portugal, do qual temos a dizer que relaciona-se irreversivelmente com a misteriosa e soberana Ordem de Mariz que sempre sustentou os ditames da Portugalidade ao longo dos seus ciclos, constituindo a própria Igreja Secreta do Ocidente, também chamada Igreja de Melkitsedek.
13 - Arcos ou Arcanos do Santuário de Nossa Senhora de Mua
Arcos ou Arcanos do Santuário de Nossa Senhora da Pedra de Mua
A Monarquia Portuguesa sempre prestou vassalagem aos dignitários de tal tradição secreta posta sob a chancela e pendão da Ordem de Mariz, fundada e propagada com a fundação do próprio País tendo à cabeça como Chefe Supremo o rei D. Afonso Henriques, reservando parcialmente o seu culto a uma outra Ordem fundada por ele mesmo: a de São Miguel da Ala, que com as de Avis (que também fundou) e do Templo constituíam o seu “círculo de resistência”. Sobre este tema há um interessante texto escrito pela primeira pessoa que na História divulgou publicamente essa Ordem Iniciática e Secreta, o Professor Henrique José de Souza, ao qual respigamos o seguinte trecho retirado da sua obra magistral, O Verdadeiro Caminho da Iniciação:
“Há uma antiga tradição que afirma a existência, no mundo, de uma Igreja Secreta, que torna a ligar (religo, religare, religio, religione ou religião) o homem a Deus, sem necessidade de sacerdócio nem qualquer outro intermediário. Todo o ser iluminado, directamente ou por iniciação, desde que esteja de posse de certos mistérios, faz parte do Culto que tem o nome velado de Igreja de Melkitsedek. Tal Culto sempre existiu, por ser o da mais preciosa de todas as religiões, ou seja: a da Fraternidade Universal da Humanidade.”
É na própria Bíblia que a personagem misteriosa de Melki-Tsedek é apresentada numa primeira referência no Génesis (14:19-20), e depois descrita por São Paulo na sua Epístola aos Hebreus (7:1-3): “Este Melki-Tsedek era Rei de Salém, e Sacerdote de Deus Altíssimo. Saiu ao encontro de Abraão (…) e lançou-lhe a bênção. Ao que Abraão lhe deu o dízimo de tudo. O seu nome significa em primeiro lugar: Rei da Justiça; mas também: Rei de Salém, que vem a ser: Rei da Paz. Sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem princípio de dias nem fim de vida – é assim que ele se assemelha ao Filho de Deus e permanece Sacerdote eternamente”. Abraão, o fundador das três religiões do Livro, prestou tributo ao Rei de Salém, o que não deixa de ser significativo porque, como desvelou o insigne Mário Roso Luna (in El Simbolismo de las Religiones del Mundo), o Oriente e Ocidente estão implícitos nisso:
“Os habitantes dessas regiões orientais e de muitas regiões ocidentais eram ários puros, apesar de rodeados de povos que a ciência moderna classifica como semitas, desconhecendo que o povo semita, como diz H.P.B., na origem não era senão uma tribo de ários asiáticos expulsa da Aryâ-Varta pelo seu próprio excessivo materialismo e “cabeça dura”, como diz a Bíblia. São nomes ários A-braham (o não-Brahman), Sara (a Saraswati hindu), etc. (…)”.
Melkitsedek, como foi referido, apresenta-se como Rei de Salém ou a “Cidade da Paz”, arquétipo sobre o qual se construiu Jerusalém. Nas culturas religiosas orientais, sobretudo indo-tibetanas, essa prefiguração Paraíso Terrestre como lhe chamou Dante Alighieri, é apresentada como Agharta e Shamballah, lugares miríficos onde está a Morada oculta do “Rei do Mundo” a quem chamam Brahmatmã e Chakravarti, o mesmo Melkitsedek judaico-cristão ou o Rotan dos antigos rosacruzes e maçons, Aquele mesmo que trará um Reinado de Felicidade e Concórdia como Imperador Universal a dirigi-lo. Além disso, após a prestação do dízimo ou tributo da “décima parte” instituiu-se a sua Ordem Tributária como é afirmado no Salmo 110, 4: “Tu és um sacerdote eterno, segundo a Ordem de Melkitsedek”, esta como a mesmíssima Igreja Secreta ou Maçonaria Universal, a Grande Loja Oculta dos Mestres Perfeitos da Humanidade, que na Índia é chamada de Sudha-Dharma-Mandalam, “Excelsa Fraternidade Branca”, no Tibete de Confraria dos Bhante-Jauls, “Irmãos de Pureza”, distinguidos pelas suas roupagens e faixas amarelas-azuis, enquanto os Goros ou Sacerdotes do Rei do Mundo trajam em cores púrpuras, e à mesma a Igreja Católica cognomina no seu Credo de Comunhão dos Santos (e Sábios, que ela «esquece» de evocar). Completa ainda o Professor Henrique José de Souza:
“Por isso é que tal Fraternidade ou Culto Universal – que a bem dizer é o do Amor, da Verdade e da Justiça entre todos os seres da Terra – se compõe de 7 Linhas, cada uma delas com o respectivo Raio, na razão dos próprios Astros ou Planetas. Donde os seus Chefes, Reis ou Guias serem Seres tão elevados que bem se podem comparar aos mesmos Dhyan-Choans ou Logos Planetários. Na Índia, o termo Maha-Choan é dado aos mais elevados dentre tais Seres, enquanto outrora, no Egipto, recebiam o nome de Ptahmer. São os mesmos “Goros do Rei do Mundo”, nas escrituras transhimalaias.”
Portanto, Melki-Tsedek como Rei do Mundo (Melki) fundador do Culto Universal (Tsedek), apresenta-se no Antigo Egipto equivalente a Ptah-Ptahmer; na Índia, a Chakravarti e Dharma-Raja; na antiga Rosa+Cruz, como Imperator Mundi e Pater Rotan; na Maçonaria Escocesa como Maximus Superius Incognitus, para todo o efeito, o Imperador Universal, o que congemina-se com o actual ciclo do Ex Occidens Lux, ou seja, o da trasladação da Grande Loja Branca dos Bhante-Jauls, com todos os seus valores espirituais e humanos, dos recônditos reservados do Norte da Índia e do Oeste do Tibete para estas partes ocidentais do Mundo.
Infinitos são os Mistérios de Melkitsedek, no entanto, cingindo-nos a este espaço temos a apontar a sua influência e relação com as três vias iniciáticas anteriormente descritas para o espaço consignado do Cabo e que são as três Margas faladas na Vedanta: Jnana-Marga (Conhecimento, Cabeça), Bhakti-Marga (Devoção, Coração) e Karma-Marga (Acção, Motora, equilibrante entre as duas anteriores), por que se revelam os três Poderes do Governo Oculto do Mundo: Mahima (Autoridade Espiritual) – Brahmatmã (Poder Central Andrógino) – Mahanga (Poder Temporal), que no discurso piedoso cristão estão representados no mistério dos três Reis Magos: Belchior (Melquior) – Baltasar – Gaspar, os quais ofereceram ao “Rei dos Reis”, isto é, o Imperador Universal, o Menino Deus, o Cristo nascido no Apta ou Presépio no esconso jina da Gruta de Belém, reconhecendo-o Avatara do Ciclo de Piscis (Peixes), o Ouro da Realeza, a Mirra da Profecia e o Incenso do Sacerdócio. Oferendas essas cujo significado piedoso encerra menos de metade do mistério que significam, pois que na verdade este é muito mais transcendente e complexo nos seus movimentos ocultos do que «apenas» o simples reconhecimento do Messias. Além dos três Poderes assinalados do Governo Oculto do Mundo representados nessas dádivas ao Menino-Deus, como referimos, essas mesmas são também a representação das três dádivas primordiais que os Senhores de Vénus (e Vénus-Urânia veio a ser a Virgem Maria), os Kumaras Primordiais, trouxeram para a Terra quando a Hierarquia Humana tomou forma física, corria a 3.ª Raça-Mãe Lemuriana: o Trigo da Alma o Mel do Espírito e a Formiga do Corpo ou Trabalho como Acção Kármica. Estas três dádivas primordiais vêm igualmente a assinalar o trabalho concluído das três Rondas anteriores à actual desta 4.ª Cadeia Planetária ou Manvantara: a de Saturno, a do Sol e da Lua, dirigidas pelos respectivos KumarasDhyananda, Sujat, Sanatana – que há 18 milhões e meio de anos se projectaram da 5.ª Ronda da 5.ª Cadeia de Vénus – a imediata à actual – para a Terra acompanhando o seu Irmão o 4.º Kumara, Sanat. Assim, o 4.º Planetário, Sanat Kumara, é o próprio Rei do Mundo na presente 4.ª Ronda, possuído de vários nomes conforme as diversas tradições, como já vimos, e a quem os três Reis Magos bíblicos, simbólicos dos três Kumaras das Rondas anteriores, tributaram homenagens reconhecendo-o “Rei dos Reis”, Imperador Universal e Sacerdote Eterno da Ordem de Melkitsedek na pessoa do recém-nascido Jeffersus, o Cristo, Coração Flamejante do Mundo… ou não estivesse no Centro Ígneo da Terra, Shamballah. Mas, então, é Cristo quem tributa a Melkitsedek ou o inverso? Ambos tributam-se, posto o primeiro ser a prefiguração do segundo em termos de exegese bíblica, visto ter sido Melkitsedek quem impôs a Abraão ou Ab-Ram o Rito do Pão e do Vinho, celebração posteriormente confirmada por Cristo na hora da Última Ceia, ungindo, sagrando, abençoando o Vinho do Céu (expressivo do Luzeiro, Logos Planetário, Dhyan-Choan ou Ishvara) e o Pão da Terra (prefigurativo do Espírito Planetário da Ronda, Kumara).
Por fim, abre-se aos olhos sequiosos de luz do peregrino a mística máxima de todas as finisterrae do Ocidente, completando a noção iniciática de morte e ressurreição, no lugar onde o Sol se põe e se encontra com o Mar incógnito, símbolo da Vida Eterna ou Vida além-Morte, onde termina o Mundo conhecido do Espaço Com Limites e começa o Mundo desconhecido do Espaço Sem Limites indefinido reflectido na imensidão de Além-Mar, o Oceano Sem Praias beijado pelas brumas do Mistério.
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Os finisterrae sempre foram referidos pelos autores clássicos como lugares de abastança dos corpos, felicidade das almas e de presença divina. Hesíodo localiza a Ocidente o Jardim das Hespérides, as ninfas do entardecer e filhas de Atlas que tinham a função de proteger esse jardim onde estava a árvore das maçãs de ouro; Homero refere a felicidade dos habitantes da Hespéria, definindo-a como o local reminiscente do Paraíso de Saturno, símbolo da Idade de Ouro. Plutarco afirma na biografia de Sertório a vontade deste general romano em terminar os dias na Hispânia sob a graça de Vénus, a guardião da Ilha dos Amores onde não há guerras nem tiranias, etc.
Sintetizando e rematando, a Serra da Arrábida correlaciona-se ao Sol (Leão, 5.º signo) complementando-se com a Lua (Sintra, 4.º signo, se bem que o real de quem aquele é descendente seja Balança-Vénus ou 7.º signo); no entanto, o Cabo Espichel, como finisterrae, relaciona-se a Saturno (Capricórnio, 10.º signo), planeta auspiciador dos Caprinos, Cumaras ou Kumaras igualmente relacionado com o Mundo Subterrâneo e a sua antiga relação a Mu ou a Atlântida, bojo inspirador da fundação da Ordem de Mariz como herdeira directa dessa outra atlante Ordem de Kurat-Avarat (“A Tradição dos nossos Maiores”), e tudo isso expresso aqui no augusto santuário mariano da Senhora da Pedra de Mua até vocacionado à difusão da hipertúlia portando consigo o marialis cultus, pedra fundamental da ideia iluminada de Império do Divino ou do desejado Paraíso Terreal, onde Virgem Mãe toma a expressão ideoplástica de Terceiro Logos, Espírito Santo, Shiva, Siva ou, ao inverso, Avis (a Avis Raris in Terris, assim posta em relação simbólica com a Pomba Branca, a privilegiada Ave do Espírito Santo), e à sua corporificação como Sabedoria Divina encerrada no sentido profundo do Santo Vaso (Saint Vaisel) ou Santo Graal, vindo a caracterizar a Mística lunissolar ou andrógina (mercuriana) de todo este espaço sagrado aureolado pela Luz Tríplice da Mãe Divina (Lux, Gloriam et Pax) como Shekinah ou “Manifestação Real de Deus”, vindo a revelar-se na cumeira directora do Governo Oculto do Mundo (Melki-Tsedek, Koro-Tsedek e Adonai-Tsedek/Brahmatmã, Mahima e Mahanga) impelindo à evolução maior da Raça para que verdadeiramente seja um dia Humanidade Iluminada, Dourada, Crística ou Cristina, dando solução feliz ao seu futuro Bimânico e Atabimânico.
Acaso poderão ser deveras complexos os ensinamentos que caracterizam a Tradição Iniciática das Idades para quem cujas capacidades e afinidades ainda não desprenderam da catequese dos simples, muito mais para quem não seja familiar desta Obra do Eterno na Face da Terra, e fatalmente acontecerá que a mais-valia espiritual de Santa Maria do Cabo Espichel não passará de mais um simples “roteiro turístico” para todo e qualquer profano ou estranho aos Mistérios de Melkitsedek, excepto, muito possivelmente, sentir um inexplicável bem-estar d´alma neste lugar privilegiado, mas sem saber porque…
AVE MARIZ NOSTRA!
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Créditos fotográficos: Hugo Martins e Arquivo da Comunidade Teúrgica Portuguesa.